José Eugênio Côrtes Figueira. 1998. Dinâmica de populações de Paepalanthus polyanthus (Eriocaulaceae) na Serra do Cipó, MG.

Resumo: Plantas semélparas com grande longevidade são incomuns. Elas foram descritas pelo menos em 20 famílias, mas não na família Eriocaulaceae. Paepalanthus polyanthus ocorre nos campos de altitude (1300-1500m) da Serra do Cipó, MG. Esta planta se desenvolve em solos arenosos e cobertos de gramíneas, em manchas que podem conter milhares de indivíduos. Sua arquitetura é em roseta caulescente, e os maiores indivíduos chegam a atingir 90cm de altura, com idade aproximada de 30 anos. O crescimento dos indivíduos é lento e indeterminado, cessando somente com a morte. Esta planta tem ciclo de vida semélparo, determinado pela morte das inflorescências, originadas diretamente do meristema apical. Eventos reprodutivos naturais parecem raros e a chance de um indivíduo reproduzir aumenta lentamente com o tamanho, devendo chegar a cerca de 24% nos indivíduos com 1 m de altura. Provavelmente grande parte dos indivíduos que sobrevivem à transição semente-plântula irá morrer sem ter se reproduzido. Incêndios de origem antrópica são bastante comuns na região da Serra do Cipó. Eles induzem florações em massa nas populações de P. polyanthus. Após a queima, a chance de reprodução aumenta acentuadamente, sendo 100% em indivíduos com altura »- 30 cm. Cada indivíduo que floresce produz milahres de sementes que são liberadas simultaneamente, num esforço reprodutivo maciço, que aumenta om o tamanho. Os incêndios desestabilizam a dinâmica desta planta, pois, em um intervalo curto de tempo, centenas ou milhares de indivíduos irão florescer ou morrer, liberando milhões de sementes. A oscilação populacional que se segue dependerá da estrutura da população no momento de ocorrência do incêndio: populações com predominância de indivíduos de grande porte sofrerão maiores alterações que aquelas com predominância de jovens. Paepalanthus polyanthus ocorre em manchas, sugerindo a existência de requerimentos específicos para a sobrevivência e germinação das sementes e/ou desenvolvimento das plântulas. Essa distribuição em manchas deve resultar também da dispersão limitada de sementes, que caem no solo ainda no interior dos capítulos, restringindo a área ocupada pela população. Dentro das manchas, as plântulas tem distribuição agregada. Ao longo do tempo, o grau de agregação tende a diminuir, dando lugar a um padrão mais próximo ao aleatório, observado nos indivíduos de grande porte. A mortalidade parece mais elevada e o crescimento menor nos indivíduos situados muito próximos uns dos outros, sugerindo competição intraespecífica. É possível que competição e o fogo tenham influenciado a evolução da semelparidae em P. polyanthus, ligada à grande longevidade. Embora imprevisíveis no tempo e no espaço, os incêndios provavelmente tornam o ambiente temporariamente mais favorável ao estabelecimento de sementes e plântulas, com a remoção da densa cobertura de gramíneas e a liberação de nutrientes para o solo. Os indivíduos de P. polyanthus deveriam sobreviver por longos períodos de tempo, até a ocorrência de um incêndio. Nessa ocasião, um único e concentrado esforço reprodutivo seria vantajoso. Além disso, com a morte dos indivíduos parentais, as plântulas teriam mais espaço, água e nutrientes para seu desenvolvimento. Um modelo baseado em indivíduos, desenvolvido para simular dinâmica de P. polyanthus (programa SEMENTES) foi capaz de reproduzir os principais eventos que parecem caracterizar a dinâmica espacial e temporal desta espécie. Simulações realizadas com o SEMENTES indicam que incêndios ocorrendo a intervalos longos de tempo desestabilizam drasticamente a dinâmica de população. Elas também sugerem que o fogo poderia ser usado no manejo de populações e que os padrões espaciais, que indicariam competição intraespecífica,podem se originar por outros processos. Além disso, as simulações ajudaram a investigar características da história-de-vida e reconstituir a provável história de populações desta planta.