Conhecimento popular de plantas reúne informações para pesquisa de medicamentos

 

por Ana Carolina Freitas

Publicado no Radar da Ciência em 20/10/03:

http://www.ifi.unicamp.br/~knobel/radar/newspro/ktalk/1066672832,24801,.shtml

 

 

O conhecimento popular das propriedades terapêuticas das plantas, que há séculos é transmitido de geração para geração, reúne informações sobre o potencial medicamentoso de várias espécies, constituindo um importante instrumento para o desenvolvimento de novos fármacos. "Em mais de 20 anos de estudos, nunca encontrei uma planta com uso popular que se mostrasse inativa no laboratório", afirma Alba Regina Monteiro Souza Brito, coordenadora do Laboratório de Produtos Naturais do Instituto de Biologia da Unicamp. "Em alguns casos, essas plantas não se mostram mais eficazes que os medicamentos existentes, mas certamente são menos tóxicas", ressalta.

A farmacologista do Instituto de Biociências da Unesp Clelia Akiko Hiruma Lima explica que "a pesquisa envolvendo as propriedades terapêuticas de plantas tem apresentado resultados científicos que dificilmente podem ser contestados. Com isso, cada vez mais pesquisadores, antes descrentes, estão vendo com outros olhos a pesquisa com plantas medicinais". Ela é autora, juntamente com o etnofarmacologista da Unesp Luiz Claudio Di Stasi, do livro "Plantas Medicinais na Amazônia e na Mata Atlântica", lançado recentemente.

O livro traz informações sobre 135 plantas medicinais, incluindo nomes científico e popular, além dos dados da medicina tradicional e dos dados botânicos, químicos, farmacológicos e toxicológicos das espécies. O estudo amplia o conhecimento apresentado em "Plantas Medicinais na Amazônia", publicado em 1989, onde estão catalogadas 59 espécies medicinais da região. As 135 plantas medicinais analisadas na nova edição foram selecionadas de um total de 340 espécies mencionadas em entrevistas com cerca de 110 moradores da Amazônia e 170 habitantes urbanos e rurais da região da Mata Atlântica. 

Todas as espécies estudadas no livro foram coletadas pelos pesquisadores na presença do entrevistado para evitar erros de identificação do material. Segundo Hiruma Lima, o critério utilizado para a seleção das plantas foi a freqüência de uso pela população. Algumas espécies, no entanto, foram especialmente selecionadas com o objetivo de divulgar possíveis efeitos tóxicos decorrentes do uso prolongado.

É o caso da Croton cajucara, conhecida na região amazônica como sacaca e cajuçara. A infusão das folhas é utilizada na Amazônia contra dores de estômago, febre, problemas hepáticos, icterícia e malária. Além das propriedades antiulcerogênica e antiinflamatória, estudos em laboratório sugerem, entretanto, que o uso prolongado da espécie pode ser tóxico para as células do fígado.

De acordo com Souza Brito, que é uma das colaboradoras do livro, estima-se que das 500 mil espécies vegetais existentes no planeta, cerca de 150 mil estão no Brasil. "As florestas tropicais brasileiras são, então, uma reserva fantástica de biodiversidade, praticamente intocada", afirma. A pesquisadora explica que, considerando-se apenas o aspecto químico, farmacológico, toxicológico ou clínico, menos de 10% das plantas brasileiras já foram estudadas. "Se considerarmos todos esses aspectos [juntos], não estudamos nenhuma espécie", complementa.

Isso porque as pesquisas com plantas medicinais envolvem anos de estudo antes que o medicamento chegue ao mercado, além de ser um processo dispendioso. Os estudos em laboratório têm como objetivo identificar e isolar o princípio ativo, que é a substância ou conjunto de substâncias com atividade farmacológica, de uma determinada espécie. Os pesquisadores verificam então a estrutura química, as propriedades terapêuticas e a toxicidade da substância. São realizados testes in vitro, com culturas de células, e testes in vivo, com animais. Depois de aprovada, a substância de interesse é submetida a testes clínicos, com seres humanos. Somente após a confirmação da atividade terapêutica da planta, o princípio ativo pode ser sintetizado, isto é, reproduzido artificialmente para produção em larga escala.

Dessa maneira, o conhecimento popular sobre plantas representa um atalho para o estudo e produção de novos fármacos. "Além disso, a criatividade da química sintética está no limite. Os super-computadores não conseguem passar nem perto da criatividade da natureza", afirma Souza Brito. Para a pesquisadora, é necessária a criação de uma política de exploração racional e sustentada da biodiversidade brasileira. Caso contrário, todos perdem. "Perde o povo porque deixa de ter trabalho, através do cultivo dessas espécies para a manufatura de medicamentos a partir delas, por exemplo; perde o Estado que deixa de arrecadar impostos sobre os produtos manufaturados; perde a ciência porque deixa de conhecer os exemplares que desaparecem todos os anos para sempre", conclui.

 

 

Saiba mais sobre o livro "Plantas Medicinais na Amazônia e na Mata Atlântica".